sobre a autora

Maratona

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Essas coisas a gente não sabe muito explicar por quê. Eu só sei que, um dia, resolvi experimentar. Pesava 100 kg e decidi fazer uma prova de 5 km. Me senti muito bem por concluir aquilo, foi sensacional, uma superação incrível. Daí, eu achei que poderia correr 10. Completando 10, pensei em fazer a meia-maratona. 21 km de corrida. Consegui, e pensei: por que não uma maratona inteira, de verdade, para ter no currículo das conquistas da minha vida?

Só que eu não estava preparado. Eu fiz aquela prova, mas não devia ter feito. Não é exagerado pensar que eu podia ter morrido. Me lembro até hoje de um cara que eu vi no km 41. Ele praticamente se arrastava, estava visivelmente mal. De fininho, surgiu a ambulância da organização ao lado dele. O médico falou: "Cara, você tem que parar agora. Você já está no lucro, já poderia ter morrido." E o rapaz argumentava, com respostas sucintas e objetivas, que não, que só faltava um quilômetro, que ele podia completar a prova. Mas não completou. O médico o colocou à força dentro do carro. Eu até desviei o olhar para o doutor não me recolher dali também. Não gosto nem de imaginar essa frustração horrível.

Se fossem mais dois quilômetros, bem que poderia ser eu no lugar daquele coitado. Porque a gente não faz ideia, parece bobagem, mas não é. Ninguém sabe de que o homem abdicou para estar ali, de todas as coisas que ele abriu mão naquele tempo todo de preparação para o desafio.

Quando eu completei a prova, chorei. Já cruzei a linha de chegada chorando. É uma realização plena, uma sensação de conquista, de que você é capaz. Se eu pudesse, faria uma prova ainda mais longa - tentaria fazer, só para saber até onde podia ir.

Mas eu sabia que já tinha atingido o limite do que era saudável. No dia seguinte, eu era um nada, tinha dores no corpo todo. Em alguns momentos do percurso, especialmente subidas, eu precisei caminhar. Me lembro do primeiro momento em que estiquei os braços, foi um estalo terrível. Imagine, esticar os braços! Até isso você valoriza mais.

Decidi que ia treinar para a próxima maratona. Corri quase um ano inteiro. Faltando dois meses para a prova, eu me machuquei. Quadril, sabe? Daí, tive que reduzir os treinos drasticamente. Fiquei arrasado. Com a diminuição dos esforços, eu melhorei. Senti que poderia, pelo menos, completar a prova em cinco horas como no ano passado - só para se ter uma ideia, o recorde mundial da maratona é 2h05 minutos. No dia anterior à corrida, liguei para o assessor de imprensa e pedi um número. Graças a Deus, não tinha mais. Nem sei o que poderia ter acontecido comigo, mas se houvesse vaga, eu pagaria para ver. Afinal, cruzar aquela linha de chegada foi, sem dúvida nenhuma, um dos melhores momentos da minha vida.

Cansa.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

É engraçado, né, quando você vê como as coisas são de verdade.
Porque a gente se engana, é claro que sim. Quem é que aguenta viver a vida assim, como ela é? Sem florear, disfarçar ou fingir que nada está acontecendo? Isso é coisa dos brutalizados, dos que, de tão experientes, deixaram de fantasiar. Eu que não quero saber disso, que o que mais me vale é a minha imaginação.
Mas uma hora, bem desavisadamente, a verdade vem à tona. Você não quer enxergar, e faz de tudo, do mais possível ao menos imaginável, para inventar desculpas para si mesmo. Uns, mais que outros, guardam com maior intensidade esse tipo de característica tão adolescente. Mas é difícil ser a mesma pessoa no bar com os amigos do trabalho e no bar com os amigos de infância; no carro voltando da balada ou no carro indo para o trabalho; no computador vendo o Twitter ou no computador checando o e-mail. Tem realidade que te afronta nos momentos que você mais quer evitar, quando você acha que as coisas mesmo já estão todas passando. Nesses momentos, é uma frasesinha, uma piscadinha, um alozinho que te faz acordar convulsivamente e ver que o edredon quentinho não é páreo para um pesadelo terrível.
E tem alguma coisa pior do que ouvir o canto dos passarinhos da manhã antes de dormir?

Cansa.

Nesta terça-feira

terça-feira, 14 de julho de 2009

Hoje eu acordei querendo muito andar por aí no frio. Fiz um milhão de planos mirabolantes, inclusive caminhar sempre no Ibirapuera porque, quando faz calor, é perigoso, já que as árvores soltam ozónio que corrói o nosso pulmão.
Hoje eu experimentei um picolé de jaboticaba.
Hoje eu vi que vou gastar pouco com o telefone este mês, o que vai ser sensacional para equilibrar as minhas outras contas, que serão todas muito altas. E isso se ligou ao final do meu dia quando, já debaixo do edredon, eu pensava no quanto estou gastando com besteiras e quanto preciso, realmente, economizar. Que meu salário é bom, mas eu preciso de muito mais.
Hoje eu levei um bolo do chefe do RH. O carro dele quebrou no meio do caminho. Mas, por causa do atraso, eu consegui conversar com uma menina do meu trabalho que já morou na França e também no Japão, mas é de Porto Alegre e se mudou para São Paulo por uma vaga temporária. E curti o sotaque arrastado que ela tem de gaúcha, mas ainda puxando o erre da França.
Hoje eu fiquei assustada de ver como algumas pessoas mudam para pior, e às vezes, ainda se sentem mais felizes do que antes. Me apavorei de ver como o mau-humor pode se defender por trás de um escudo de chefia e, aparentemente, fica tudo bem. Porque chefe pode ser mal-humorado, subordinado não.
Hoje eu sofri demais com uma crise de LER e tive que tomar três remédios para aliviar - não passou. Hoje eu estou considerando seriamente a possibilidade de ir a um acupunturista emergencial amanhã de manhã, mas tenho dois medos: não acordar e me sentar ao lado de um agulheiro impostor.
Hoje e mais uma vez, eu me senti gorda. E pensei que preciso fazer alguma coisa para mudar isso, embora não faça nunca. É a mesma sensação que eu tenho ao ver meus livros desorganizados na prateleira que minha mãe me deu para organizá-los, e as roupas amontoadas no armário há tanto tempo. Eu sei que preciso consertar, mas priorizo todo o resto.
Hoje eu senti tristeza e dor no coração. Ela ficou tão forte uma hora, mas tão forte, que meu mau-humor quase chegou ao superar o da minha amiga. Mas, por mais forçado que tenha sido em princípio, encontrar meus amigos foi muito bom pra me distrair desses assuntos desimportantes.
Hoje uma amiga brigou comigo e me fez ver que a gente já é super próxima como eu desejava ser, e que eu não quero mais ficar longe dela.
Hoje eu dei uma volta gigantesca pela cidade chuvosa para dar carona a duas amigas que moram em cantos opostos. Mas pelo menos tinha um amigo no banco ao lado para me distrair na viagem de volta.

Hoje eu pensei que, sozinha, não aguento o tranco. E que a minha vida é feita das pessoas que fazem parte dela. Mas, mesmo assim, é o meu edredon, mnha cama, minha Audrey e minha Marilyn que me fazem companhia no fim da noite.
E que eu preciso aprender a me refugiar melhor em mim mesma.

Desperdício

sábado, 4 de julho de 2009

Gastei meu Yves Saint Laurent, meu Geslaine, meu Oscar de la Renta e meu Christian Dior à toa. Minha Colcci, minha Bob Store e minha Guess também. Prendi o cabelo de um jeito legal, tirei fotos pré-balada e até cantarolar eu cantarolei. Meu Maria Bonita Extra continua estendido em cima da cama, assim como as outras Colcci e o Dressed to Kill. Nem arrumei a Armani Exchange que tá dependurada na cadeira, deixei tudo esparramado, tudo ferrado, e fui embora.
E tudo isso pra que?

Pra voltar pra casa e me sentir mais miserável do que qualquer chita da 25.

In love we trust

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Esse meu aperto no peito pode mesmo demonstrar a preocupação que eu tô com a matéria que preciso entregar amanhã e cuja apuração está pra lá de atrasada. Com o médico que eu preciso ir, mas o plano de saúde não autoriza nunca. Com a reportagem da pós que eu tenho que fazer para ontem e ainda nem pauta tenho. Com a falta de exercício que, além de me deixar gordinha, me tira o pique do dia e a qualidade do sono.
Eu podia acreditar em tudo isso, que não deixa de ser verdade, aliás. Mas esse aperto no peito eu já conheço; ele já apareceu antes, e em outras ocasiões bem diferentes. Já veio quando eu tinha roupa lavada logo que depositada no chão. Quando chegava em casa no fim do dia e tinha uma boa comidinha pronta me esperando. Quando não tinha que me preocupar em arrumar meu quarto, pagar o condomínio, controlar o uso do telefone ou respirar o ar poluído da cidade grande. Sabe, é uma sensação que independe de tudo isso, e resiste até à minha roomate cantando I Feel Good logo de manhã.
Sabe o que é isso?
Falta de amor.

Amiga, esse é pra você.

domingo, 7 de junho de 2009

Especialmente, pelo que você me despertou nesses dias.
Essa sede de viver que a gente tem, essa vontade tão grande de fazer tudo que até se une aos astros e desperta a sorte para acontecer tudo aquilo que a gente queria tanto. Eu e você, conversando à distância por msn sobre como seria legal se pudéssemos fazer tudo que temos nas nossas cabecinhas. E, de repente e como num passe de mágica, o seu hotel é ao lado do meu trabalho nessa cidade que não tem menos de 18 milhões de outros loucos; a gente se enfurna numa baladinha desconhecida que é exatamente o que procurava e ainda de graça pra entrar; a gente cede e acaba numa festa que é simplesmente a melhor coisa que eu fiz em ano e meio de São Paulo; se joga na cama e conversa com meus amigos, como se fosse todo mundo amigo igual; acaba o domingo em um almoço de 6h da tarde, com direito a Kir Royal e várias outras delícias. Se entende, se escuta, se desentende e se respeita. Que nem irmã.
Amiga, a nossa relação é super especial porque amadurece com o tempo. Estamos as duas mudadas, você viu? Você percebeu como eu tenho meu apartamento pra levar, trabalho que nem gente grande e ainda faço resenha de teatro? Porque eu vi que você leva o seu trabalho muito a sério e tem idéias claras e adultas que não exitiam antes. Mas você viu, por outro lado, como o meu quarto continua bagunçado? Como eu continuo querendo quem não me quer, igualzinho à fase rosa de seis anos atrás? Notou que o espírito que sempre tive de liberdade enfim encontrou espaço para se manifestar de vez e que agora, sim, podemos combinar esse negócio de Europa com força total? Você sentiu que isso pode mesmo acontecer?
Estamos as duas num momento da vida em que parece que os caminhos se cruzam, as estradas se encontram. Nessa hora, qualquer coisa que a gente realmente quiser pode dar certo. Será que esse fim de semana te mostrou isso tão claramente quanto pra mim? É a nossa hora. Eu te deixei no aeroporto e, sem me dar tempo para ficar triste demais, me soquei numa sala de cinema depois de atravessar a Paulista num frio de 13 graus com calça legging e casaquinho. Vi um filme que queria, depois encontrei outros amigos no bar e agora sentei aqui pra despejar esse recado, fazer esse anúncio, no conforto do meu edredon. Porque apesar de frenética, essa certeza é clara como a tela deste computador, assimétrica como meu novo corte de cabelo e zoneada como a estante depois da festa junina aqui de casa. Tudo junto, enrolado e ricocheteado porque comigo e com você nada, nunca, vai ser certinho e organizadinho como no quarto ao lado. Mas pode ter a sobriedade de assistir a um filme sozinha ou tomar banho de tina. É assim. E se a gente deixa, se a gente respeita e permite que assim seja, pode desfrutar das melhores maravilhas que três diazinhos juntas já puderam comprovar.
Obrigada por me fazer sentir assim!
O futuro só aguarda uma resposta nossa. E acho que nós já temos, né?

Não dá mais, não

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Me dá um tempo pra eu escrever? Me dá um tempinho só?
Me dá sossego para ler aquele livro que comecei há tanto tempo, me dá sossego para terminá-lo?
Por que é que eu só consigo me afundar no edredon quando é para cumprir um deadline ou ficar falando de coisa sem importância com pessoas também sem muita importância? Por que não faço isso durante um sábado de chuva, por que sinto essa solidão avassaladora que pressiona por companhia no fim de semana?
De onde vêm as nossas prioridades...
Quando beber cerveja vira a coisa mais prazerosa do seu dia-a-dia, quando você esquece o quanto é gostoso ficar sozinha, curtir a sua casa e você mesma, eu acho que falta tempo. É, não se trata de pormenoridades, estranhezas ou culpabilidades que a gente se impõe nesse tipo de momento. Meu, falta tempo. Simples assim. Eu não consigo nem planejar a próxima viagem para o Rio; não me lembro de levar a papelada pra continuar brigando com meu plano de saúde; sinto sono, muito sono, e aproveito mal o meu dia; arrumei um milhão de trabalhos que não consigo finalizar; me enrolo com cada coisa que é difícil de acreditar. Se eu for fazer o somatório de um dia - é, tipo espremer a laranja pra ver o que sobrou - não sai muita água. Ela tá quase seca. E me dá uma angústia terrível essa sensação de que não tô conseguindo realizar e produzir tudo o que deveria. Não há nada de positivo nisso.
Eu sinto uma vontade louca de dar mais do que eu dou, de aprender muito, muito mais, mas a minha desorganização é a tal ponto dramática que eu simplesmente não consigo concretizar plano nenhum. Nada, nadinha mesmo. Fica tudo por aí, largado pela metade, à sombra do que poderia ser e já não foi, já passou. Como que a pessoa pode viver desse jeito? Porque se eu conto da minha vida para alguém, capaz que achem que tá tudo nos eixos, que a ordem vai chegar pouco a pouco, mas veja bem, eu tô sem ordem há tempo demais. Eu tô deixando penduricalhos na vida há anos demais. Se fosse juntar em um canto só tudo que eu deixei separado por aí, dava pra construir quase uma outra vida, completamente à parte desta.
Como colocar pingos em tantos iis que deixei pelo caminho?
Sinto-me fraca.

180 graus

domingo, 26 de abril de 2009

Eu não consigo entender como uma pessoa pode viver assim.
Me sinto mal de ficar julgando, inventando, confabulando o que seria e o que não seria melhor para ela, mas minha vontade mais sincera era dar uma rodopiada naquele corpo e fazê-lo se voltar um pouquinho para os lados, para os ares, para a vida.
Porque tem tanta coisa que ela podia fazer. Tem tanta felicidade a ser compartilhada com tanta gente, ou então com uma pessoa especial apenas, se ela quiser. Tem lugar para conhecer, tem viagem para fazer, vinho para tomar, amigos para encontrar. Tem ciranda, tem capoeira, tem tango, tem folclore, até samba tem. E tem tanto potencial, tanta capacidade de ser tudo isso, que eu fico relutante em aceitar esse estilo de vida tão pacato-passivo.
Se ela - a pessoa - viesse, pegasse na minha mão, colocasse uma roupa clara e sorrise para o céu, ah, quanta coisa ela iria descobrir. Quantos cheiros diferentes, rostos familiares, sons agradáveis e temperos deliciosos ela iria encontrar. Mas não. Ela opta, quase que conscientemente, por permanecer. Continuar trabalhando desesperadamente, como se quisesse tapar os buracos da vida com esse excesso de ocupação. Segue sem saber dizer "não quero", "sai daqui" ou "me deixa em paz". Continua levando tudo tão a sério forçosamente, dissimuladamente e descaradamente. Não deixa de contar os dias, as horas e os minutos. Não para de se programar. Olha, não dá o menor espaço, nem uma brechinha sequer, para essa vida que eu teimo em propagar acontecer.
Como é que ela - a pessoa - vai ouvir o canto dos passarinhos? Como ela vai ver que uma árvore está um pouco mais amarelada hoje do que ontem? Como vai perceber a sutil diferença entre um sorriso amigo e um sorriso paixão? Como vai entender o que é caminhar sentindo cada passo, respirando profundamente e vendo coisas que nunca viu antes pelo mesmo trajeto que faz todos os dias?
Para fazer tudo isso, e cada uma dessas coisas, ela - a pessoa - precisa, meu Deus do céu, se libertar. É, let go. Deixar ir o que não vale a pena, deixar ficar o que é puro, o que pode ser bonito. Procurar uma outra forma de viver a vida que possa trazer mais romantismo. Sim, é desconhecido, sim, é desavisado, mas você já não fez isso antes? Foi duro, mas não deu certo? Não foi legal? Po rque é, então, que você reluta tanto em levantar da cadeira de novo?
Eu juro que tento, mas não consigo me conformar. Ela pode ter tão mais da vida, mas não deixa, cara. E por mais que eu me esforce, eu não posso aceitar.

Inquietação

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Belo é o dia em que a gente acorda com alguma coisa para dizer ao mundo.
Não precisa ser nada certo, especial ou complicado demais. Na verdade, você diz pros outros pela simples vontade humana de publicar, em qualquer contexto, seus pensamentos obscuros em busca de alguma forma de identificação ou aprovação. E sempre tem alguma coisa que te motiva a gritar com o universo. Algum acontecimento, uma discórdia qualquer, uma noite de reflexão, uma madrugada de olhos abertos. Coisas necessárias para despertar a sede de viver, a vontade de conquistar, a força necessária pra gente sair da inércia. Pode ser um encontro, uma palavra de outra pessoa, qualquer peripécia do destino, qualquer peça que ele te prega. Mas normalmente surge do inesperado.
Não existe rotina que aquiete esta alma desesperada.

Olhos de base

segunda-feira, 30 de março de 2009

Eu queria falar sobre uma pessoa que conheci esse fim de semana e que quase não me deixou dormir ontem à noite. É que zunia na minha cabeça e me fazia rolar de um lado para o outro, sabe quando a gente não encontra posição na cama? E aí nessas horas eu fico me achando meio obsessiva, um pensamento que chega e não vai embora nunca.
Mas é que eu sempre caio no erro que depois me faz chorar no ombro dos meus amigos: julgo as pessoas pelas primeiras aparências, como eu sou julgada sempre e erroneamente. Cometi esse ultraje de novo, e com ele. Da primeira vez, calça colada, camiseta com bordados de borboleta e maquiagem: base, muita base. A sobrancelha perfeitinha. O braço com relógio de cristais swaróvski e mil pulseiras cintilantes. "Você mora aonde?" - "Londres."
E nenhuma palavra o almoço inteiro, entre gargalhadas e tilintares de copos com os outros amigos. E aquele serzinho ali, bem na minha frente, me olhando profundamente o tempo todo com aquele sorriso de Mona Lisa, bem calado, até que ele passou mal e teve que ir embora.
Depois, fiquei sabendo da história dele. Algo do mais dramático que já ouvi, história que remexe a gente por dentro, faz sentir piedade, pensar em uma forma de confortar, desejar tudo de melhor. Sentimentos tão nobres, mas que desapareceram pouco depois de o encontrar pela segunda vez, num outfit todo branco. "Ai!" - "Desculpa", seco. - "Ai, é que minha calça é branca, vai manchar". Fechei a cara, que já não era das mais abertas naquela noite onde, logo mais, tudo se transformaria.
Ele não tirava os olhos de mim. Deixa eu explicar melhor, era como se implorasse. Se pedisse, com todo o respeito, para pelo amor de Deus, alguém o salvar dali. Alguém o tirar da miséria que tinha se tornado a sua vida, da solidão que ele cultivava dentro dele, da magreza que refletia tanto problema. Ele não precisaria se ajoelhar para pedir mais ajuda do que sentado ali, na minha frente. "Ai, essa bebida tá muito forte, em Londres o shot é 25mL, não 50". E birra pra cá, birra pra lá, e cara de triste, e olhos abertos focados em mim.
Ele estava de novo de estômago revirado, tinha comido até não mais caber. Bolinho frito, suco, cachacinha, pastelzinho. Tudo que não tem em Londres. E aqui tem família também, que não tem em Londres, e cedo descubro por que ele está com aquela carinha: é que amanhã é o grande dia, o dia que vai encontrar a mãe. "É que estou muito diferente", ele me diz. - "Mãe é mãe", eu digo pra ele, e ele me dá aquele sorriso mais melancólico, mais incrivelmente lúgubre que alguém pode dar.
Mas o melhor foi o abraço de despedida. Ele me apertou como se eu fosse uma santa, como se aquele fosse o último abraço que ele daria na vida. Me disse tanto aquele contato. Me disse "por favor, me ajuda", me disse "eu não sei mais o que fazer" e me disse "por favor, torce por mim". E eu, em casa e já na cama, depois de receber mil mensagens e ligações da minha mãezinha querida, me revirava de culpa, de agonia, de não ter feito mais por aquele menino tão carente de tudo, menos de dinheiro. Porque eu podia ter feito mais e o que me matou é que ele sabia disso. Mas era como se minhas mãos estivessem atadas e eu, paralisada por aquele olhar mais sincero que eu já vi na minha vida.
Rezei por ele, espero que Deus tenha dado força para o encontro que ele teria hoje.
Estou torcendo.

Súplica à Boa Forma

quarta-feira, 25 de março de 2009

Como é que eu vou, Dona Boa Forma, acordar todos os dias às 6h da manhã pra ir pra academia? Como é que fica o meu ócio criativo?
Você quer que eu fique, Dona Boa Forma, igual aqueles trabalhadores exaustos, que precisam ir para a cama 9h30 da noite pra poder aguentar o dia seguinte? E aí como é que eu escrevo, Dona Boa Forma?
Pra que eu preciso olhar para baixo todo dia, enquanto estou bem relaxada, e ver que a barriga não faz mais uma voltinha, mas sim duas ou três? O que é que você ganha rindo de mim aí olhando, Dona Boa Forma? Só porque eu não tenho essa força de vontade louca que faz a gente sapecar do edredon mesmo em -5, como eu vi outro dia a Carla Bruni fazendo em Nova York?
E daí você me faz cobrar de mim mesma esse físico escultural com que direito, Dona Boa Forma? Como é que eu resisto ao brigadeiro pronto na panela? E à paçoquinha triste e abandonada na vitrine? Como que eu deixo de comer mousse de chocolate quando vou em casa, ou crepe de camarão com catupiry?
Como eu posso, Dona Boa Forma?
A senhora é mesmo uma miserável, a verdade é inteira essa. Fica aí se gabando nas capas das revistas e nos shows de TV. A troco de que? Que eu como, mas fico feliz. Que me deprimo, mas um bombom basta pra me alegrar. Que a vida é dura, mas a Maria é mole!
Com todo o respeito, Dona Boa Forma, a senhora virou foi uma velha caduca, apesar de inteira. Que vive da sabotagem aos outros e não cansa de infernizar a vida alheia. Pois eu lhe proponho uma trégua, Dona Boa Forma. Paremos de nos exigir tanto. Você fica aí e faz o que sabe – levantar pesos e subir escadas – que eu daqui faço o que posso – deixo de publicar meus protestos a respeito. E aí sim, fica tudo resolvido.
Estamos conversadas?

Sax

segunda-feira, 23 de março de 2009


Bem ao lado da minha janela tem um cara que toca sax.
Na verdade, não sei se ele faz aula, dá aula ou simplesmente toca pelo prazer de tocar. Só sei que todo dia, a partir das 5 da tarde e até sabe lá Deus que horas, ele dedilha o seu instrumento de forma tão doce.
Talvez seja um exibicionista; talvez alguém apenas descobrindo o próprio talento. Mas o fato é que hoje a minha dor de cabeça de apertar os rins passou só depois de ouvir aquelas notas. Não bastou dois remédios nem pomada, mas o som entrou lá no cérebro, rodopiou a cabeça inteira e disse para a testa parar de doer. Como será que é esse curandeiro?
Já me pendurei na janela em busca desse rosto. Será novo ou velho, pardo ou chinês? Mas a gente sempre imagina, né, e a fantasia é toda vez tão melhor que a realidade, quase sem exceções. Pois bem. O meu saxofonista é baixo. Eu prefiro homens altos, mas o sax do meu instrumentista chega quase a bater no seu umbigo. E os braços são longos, pois com eles o cara percorre aquele cano comprido quase sem dificuldade.
O meu saxofonista é moreno, de cabelo encaracolado e bem curto. Ele não tem muito o que fazer da vida, então toca para se alegrar. Está, atualmente, ensaiando para um concerto que ainda não sabe se vai protagonizar – sabe como é, decisões do maestro. Então ele acorda cedo, pega a maleta com o meio de vida e sobe no primeiro ônibus da Teodoro. Lá dentro ele passa, nota por nota, toda a melodia na cabeça. Imagina qual detalhe vai acrescentar à performance de hoje e matuta o que pode fazer para o mestre, enfim, reparar que ele dá tão duro. E dá mesmo. Até as 4, ele ensaia sem parar para a peça no Municipal – que oportunidade! Mas quando chega em casa, cansado e com tanto trabalho na cabeça, ele só consegue relaxar se for bolando outras músicas, compondo por caminhos totalmente diferentes.
Quem sabe, no prédio ao lado – ele pensa – não está algum musicista que enfim vai descobrir que ele pode tanto mais. Quem sabe.

Livre fluxo - 30 minutos sem tirar a caneta do papel

terça-feira, 17 de março de 2009

El Niño chegou com tanta força faz algum tempo. Não consigo me lembrar se foi há cinco, seis ou sete anos, o que sei é que mudou a forma de muita gente ver o mundo. De repente, não existia mais verão nem inverno, de repente tudo que a gente sabia sobre clima veio abaixo. Foi um tal de seca em janeiro, chuva em agosto, o mundo estava mesmo de cabeça para baixo. Junto ao aquecimento global, foi uma verdadeira forma de mostrar que já era mesmo a época do fim dos tempos. As pobres avós, sentadas em suas cadeiras de balanço fazendo croché, resignavam-se, balançando a cabeça com aquele temporal no meio de setembro. Os pais, que tinham ensinado a seus filhos o que é inverno e verão desde pequenininhos, assistiam confusos ao noticiário na TV. As calotas polares se derretiam a olhos vistos e as cenas de filhotes de ursinhos se perdendo no meio de oceanos gélidos tornou-se cada dia mais comum. "O sertão vai virar mar", eu me lembrava. Na minha imaginação fértil de adolescente - e é aí que a gente vê o quanto ficção e realidade se misturam, pois esse meu pesadelo aconteceria, de fato, anos mais tarde no tsunami asiático - só ficaria o Cristo sobre a água, que viria em forma de enchentes violentíssimas desde a Antártida (me pergunto agora se era no Ártico ou na Antártida que as calotas de derretiam). Mas de qualquer forma, eu pensava, bem é que aquilo não ia acabar. A água seguiria até Brasília e eu sabia que não traria aquela praia linda que a gente tanto desejava, mas somente fome e destruição. Com o passar do tempo, mais e mais continentes se iriam afundando dentro daquela calamidade sem fim.
Mas acabou que tamanha tragédia não chegou nem perto de acontecer - pelo menos, ainda não. No lugar daquele menino, veio La Niña, que até hoje eu juro que não sei direito o que é. Porque se um é o oposto do outro, então oras, tudo voltou ao normal? Acho que, para saber bem diferenciar tudo isso, só mesmo quem vive nesses países de maiores latitudes, onde as estações do ano são mais bem-definidas. Sabe, aquele pessoal que não pode ir para a rua fazer boneco de neve com seus filhos porque o gelo derretia rápido demais, que contava com a chuva que não veio e fez um milhão de rezas sem acreditar que seus deuses os haviam abandonado. Só o pescador que coçou a cabeça ao recolher uma rede repleta de sardinhas que estavam perdidas em um lugar do oceano onde não deveriam estar. Para essa gente toda, essa história de mudança climática deve fazer algum sentido. Mas quem sofreu mudanças pessoais que acompanharam as do clima pode nem ter percebido nada disso; é tudo questão de costume. Veja o meu caso, por exemplo. Eu vim da secura de Brasília para uma umidade eternamente poluída aqui de São Paulo. Eu odeio essa tal dessa garoa com todas as minhas forças, e isso já vem de uma certa resistência que o meu nariz tem a muita umidade em cima dele. Qual não é a minha surpresa ao ouvir até hoje de alguns paulistanos que "São Paulo não é mais a terra da garoa". Gente, garoa aqui todo dia, o tempo todo, aquela chuvinha chata todo fim de tarde. Se isso não é garoa, eu não sei mais dizer o que é não.
Veja só você, até a mudança de clima é uma coisa relativa. O que será, meu Deus, que ainda é absoluto nessa vida?

Uma cena qualquer

domingo, 8 de março de 2009


Mas ao mesmo tempo, enquanto ela andava, ouvia caírem pétalas de rosas...

Não lhe preocupava se os ponteiros do relógio teimavam em correr cada vez mais rápido, como se em algum lugar tivessem de chegar antes que ela. Não via mais as luzes dos faróis ou os vidros dos carros abertos, nem fechados, nem embaçados. Esperava começar a cair a chuva, mas nem isso conseguia. Via as nuvens dançarem e se disperçarem, como a dispensarem, dizendo que não, tolinha, não faremos as vossas vontades. Então suspirou fundo, fechou os olhos e, quando os abriu, já podia ver que tudo ainda estava lá para ser vivido. Não deu para postergar ainda mais os quases, ou fazer como o rapaz do filme que simplesmente esperava. No cinema era que sua vida acontecia. No teatro menos, porque era mais real; à telinha ela pertencia quase que inteiramente. Sentia-se divina e plena, mas não sabia explicar. A ansiedade vinha entrando, aumentando, inquietando, o coração partia a disparar sem dar explicação. Não lhe deixavam ficar ali para sempre.

E mais uma vez se levantou, apertou o botão contra a camisa frouxa e seguiu, tornando a ter que ser quem de fato era.

Infeliz fim

terça-feira, 3 de março de 2009

Final de crônica é um negócio difícil de acertar.
Eu sempre tive essa dificuldade, sabe, não captar muito bem a hora certa e, o que é pior, a forma certa de encerrar um texto. Mas achava que era uma coisa minha, uma burrice mesmo, algo totalmente à parte de todo mundo que faz coisa parecida. Mas aí, para minha alegria – e desespero da crônica – eu descobri que não. Que na verdade, ninguém – nem os deuses do assunto - sabe ao certo o momento e o jeito ideal de por fim à pobrezinha.
O mais desagradável dessa história toda é que, às vezes, um simples fim mal-acabado pode por fim a todo um esforço. E põe mesmo. Eu sou a primeira a me decepcionar. Até com Vinícius eu me desapontei por uma dessas. Oswald de Andrade himself também não tinha o paladar aguçado para o término e até Drummond dava suas escapadas antes de conseguir encerrar, realmente, o assunto da crônica. Será uma maldição?
Eu acho que é apego, mesmo. A história te suga de uma forma que o mergulho pode ser, simplesmente, fundo demais. Mesmo depois de parar, se distanciar, ler, reler e reescrever tudo quinhentas vezes, o final passa batido. Pode sobrar pras reticências, pra uma pergunta engraçadinha ou uma exclamação proposital. Tem a opção de desencanar, escrever mais uma frase e fazer dela, seja qual for, o fechamento brilhante – ou nem tanto. Afinal, me digam, como terminar algo que está palpitando dentro de você e que pede, aliás, implora para não ser finalizado?
Há de convir, é uma provação dolorida. Já que ninguém explica ao texto o que ele precisa fazer para nascer, ele presume que sua morte, como o nascimento, será inevitável. E luta pela vida, torna o fim o mais custoso, trabalhoso e agitado possível. Ora, poderiam chamar de fraqueza se não fosse assim, que se entregou, se conformou. Natural, então, a luta inevitável que o autor trava com suas palavras, que antes podiam soar doces e amigáveis – mesmo que amargas e duras ao leitor – nos momentos finais dos rabiscos. Parece que a caneta falha, o teclado fica todo misturado e os dedos se recusam a concretizar esse plano descarado. Todo mundo percebe, sabe, não adianta esconder. E a morte não é daquelas morridas, como o coração do velhinho que para de bater no meio da noite. É morte de faca. Despedaça, sangra. Difícil descansar em paz.
Eu já poderia começar a enrolar daqui, que já falei tudo que precisava. Mas o momento intragável está chegando e meus indicadores já começam a sentir. Também, vou esconder como? Tudo bem, tudo bem. Eu poderia colocar uma frasezinha de efeito, um negócio assim caprichado. Vou ali, tomo um banho, reflito durante a chuveirada e tenho certeza de que saio com alguma coisa na manga. Ou então termino aqui. É, por que não? Encerramento está tão em desuso, ninguém quer saber mais disso. Muito mais importante que terminar um tópico é discorrer sobre ele! Quem está comigo?

Folclore

domingo, 1 de março de 2009

Eram apenas dois sorrisos.
Dois dos mais sinceros sorrisos que eu já vi na vida. Honestos, porque situados dentro de um dos mais despatriados lugares de um país: uma multidão de gente, cores, moedas e línguas. Nessa perturbação, em que ninguém parecia se entender direito, eles se completavam. Trabalhavam, é certo, mas com uma alegria, uma felicidade que só aquele olhar podia revelar. Numa cidade musical como aquela, o segredo da verdade era simples. Uma dança.
Uma dança rústica, de passos firmes, folclórica como seu próprio nome já diz. Com roupas tão pesadas que chegavam a dificultar qualquer movimento. Mas isso só percebia - é claro - quem não se deixava levar pelas palmas do velhinho que, sentado e com a vista cansada de quem vive daquilo há tanto tempo, ditava o ritmo do casal. O pescoço da menina estava tão enrijecido que prometia uma noite inteira de torcicolo; o bate-pés do rapaz era tão firme que eu poderia ver seus músculos mexerem mesmo sob o tecido grosso das calças por dentro das botas. Mas os dois estavam felizes.
E era com essa felicidade que eles dançavam e enfrentavam horas e mais horas de rodopios quase sem parar. Era com graça, com emoção e sempre com aquele sorriso revelador nos lábios. Não sei se eram amantes, não sei se irmãos ou somente bons amigos. Talvez não fossem nada, seus laços se estreitassem quando chegassem para um dia longo de trabalho e desmanchassem assim que as roupas típicas fossem deixadas ao chão. Eu não sei o que eles eram. Só sei que no meio daquele mundo de gente com experiências tão profundas quanto vazias, estavam ali para desconcertar quem se deixasse ser desconcertado. E impressionar, e causar leveza e choro, e pesar e reflexão, e dúvidas e disparates.
E suas armas não iam além de dois belos e despretenciosos sorrisos.

Dos cuidados fundamentais que precedem o giro de uma maçaneta; Das conseqüências de abri-la por impulso

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

1. Tenha certeza, certezíssima, absoluta, irrevogável ad eternum de que você está preparado para ver o que está depois da porta. É, afinal, um caminho sem volta.
2. Olhe para trás. Parece um conselho bobo, mas se nem você sabe se está pronto para ver o que segue, imagina quem está passando desprevenido por trás?
3. Olhe, logo em seguida, somente para frente. Não se distraia, mantenha o foco. Se você vir uma imagem branca, grotesca, junta demais e ofegante logo abaixo, não olhe. Os riscos de sonhos e/ou pesadelos com aquilo durante a noite são horrendos.
4. Se você tomou todos os cuidados anteriores e, mesmo assim, não conseguiu vencer a odiosa curiosidade gatuna, não grite. Oprima-se, leve as mãos à boca, cale de qualquer forma. Você, por mais íntimo que seja dos seus próprios olhos, não é o dono das cenas que testemunha e não possui qualquer direito sobre elas.
5. Fotografe. Não, não estou falando de máquina, flash, obturador, nada parecido. Fotografe com o olhar. Mas só precisa se preocupar com isso se a cena for prazerosa, porque se não for, meu amigo, vai ficar gravada na sua memória de qualquer jeito.
6. Bata a porta de volta. Eu até poderia te dizer para fechar silenciosamente, sem se fazer notar. Mas não, você não tem a obrigatoriedade de ser sorrateiro quando suas vítimas não o foram. Faça o escarcéu que não conseguir conter.
7. Recomponha-se, beba um copo de uísque e haja de forma blasé a respeito de tudo que se passou. Acenda um cigarro e converse sobre o carnaval e o reflexo do teto na piscina.
8. Se conseguir fazer tudo isso, por favor, eu imploro, me faça um sinal de fumaça, me mande um e-mail, me visite, me telefone. Mas não deixe de me ensinar como.

Dia comum

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009


Mas quanta coisa a gente vive em um dia!
Acorda 7h30 da manhã de curtas férias com a moça procurando o cartão que ficou na sua bolsa
Volta a dormir e acorda meia hora depois com o moço dando o cheque e dizendo pra por nominal lá na 513 Sul
Aí a moça vem, bate na porta e diz "acorda, Renata, que sua mãe tá chegando"
Tem medo dos passos na escada porque sabe que vai ter que levantar
Ameniza a guerra com um beijo e um abraço
Come um pedaço do abacate por falta de outra coisa
E vai. E experimenta óculos, e cansa, e decide que é esse mesmo.
E a moça chega e te mostra um azul que te deixa a cara dela
E sente alívio e lembra de depositar o dinheiro da poupança pra Deus sabe quando
Pensa em ir pra NY no fim do ano e pergunta: tem jeito? E ouve: quem sabe?
E fala das pessoas que tem saudade e acaba esquecendo das que mais fazem falta
Nada que não possa ser remendado
Ouve da Flórida, do Eugênio Bucci, da matrícula, de formatura e da moça, que não conseguiu nada
E pensa: vai pra França, boba
E faz do orkut um msn
E vasculha, e tem ciúme, e lembra demais de quem nem se lembra tanto
E seca a franja e vai pro jornal
Chega bem humorada por que?
Três pautas, sem chance, algum mal-entendido
E sente tanta, tanta vontade de estar em outro lugar
De um computador para outro
De um telefone para outro
Sempre dando uma olhada para ver se a secretária deixa a mesa livre pra fazer aquele interurbano de graça
Não dá
Recebe mensagem da amiga que dá saudade depois de dois dias
Olha para a colega que está indo embora e sente um aperto forte no coração
Come pastel de queijo
Pastel de frango
E suco de caju
Escuta alfinetadas que poderiam simplesmente deixar de acontecer
Lembra de quem não quer lembrar e sente dúvidas, muitas dúvidas
Acaba o texto e esquece da foto
Se vira para a matéria ter como sair
E quando já não dá mais, vai embora
Com o rádio desligado da Hora do Brasil e do saco cheio de trance
Chega no curso, sozinha, e liga para moça perguntando se ela vem mesmo
Ufa, tá chegando
Descobre que a língua francesa é muito mais linda do que se lembrava
Recebe bronca e dá bronca, mas finge que nada aconteceu
Chega lá e vê um lugar que agrada muito, com música boa e pessoas legais
Vinho e chocolate quente
Pensa que jornalista só fala de jornal, mais uma vez
Idiotices, cigarros, telefonemas, nostalgia, depressão, alegria, gargalhada
Pombos
E pensa que tudo valeu a pena.
E sente uma vontade louca de eternizar o que viveu.
E tem em si todos os sonhos do mundo.

Mensagem à moda antiga

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Sabe aquelas cartas que fazem você questionar absolutamente tudo? Que te fazem refletir sobre tudo o que é e faz, e tudo o que deveria ser e não faz?
Hoje eu recebi uma dessas cartas.
O montinho de papel me trouxe para perto uma pessoa que, há tanto tempo, estava tão longe. Aquele tipo de gente que escolhe um caminho completamente diferente da esmagadora maioria e passa a ficar reservado num cantinho que você deixa bem de lado, simplesmente porque não dá pra ficar pensando o tempo todo. Não combina com a vida que você leva e sim, todo mundo está fadado a viver, sempre, aquilo que lhe é mais familiar e conveniente.
Mas a carta trouxe de volta a pessoa. O semblante, o jeito calmo de falar, o olhar tão cuidadoso com tudo o que se diz vivo na vida. Eu lia e escutava, pacientemente, aquela voz que há tanto tempo não escuto. E ele dizia coisas que ninguém me diz nesta vida que eu vou levando. E me trouxe tantas sensações diferentes...
Uma delas foi lembrar de quem eu sou de verdade, ou quem eu realmente deveria ser. Quem eu seria se não tivesse tomado um rumo tão definitivo na vida, ou se estivesse mais preparada para lidar com ele, se fosse mais madura.
A carta tinha a cadência e o tom de voz daquele meu amigo.
Eu desci normalmente, pronta para mais um dia como os outros, quando o porteiro me avisou que a carta havia chegado. Sim, ele estava de sobreaviso, afinal, tratava-se de uma resposta. Eu segurei o envelope com força e não abri até chegar em um lugar onde estivesse a salvo. Esse lugar foi o ônibus, que por sinal, estava lotado. Mas como tudo dá certo quando tem que ser assim, o rapaz na minha frente se levantou e desceu logo na próxima parada. Olhando para os dois lados meio descrente, eu sentei e voltei à embalagem. Abri com cerimônia porque eu sabia que aquela seria uma leitura importante, dessas que não se fazem todo dia e nem em um dia qualquer. E aquela letra tão destreinada, tão acostumada a fazer coisas tão diferentes tremia aos solavancos do ônibus. Mas nada daquilo, nem a fumaça, nem o barulho do motor e das pessoas atrapalhou, de forma alguma, aquele momento.
De reencontro.
Quando eu cheguei na assinatura dele, meus olhos se encheram de lágrimas. Sei lá se eram de felicidade, de emoção, de tristeza, de pena dele ou de mim. Mas o fato é que, mesmo sem saber o que, eu senti muito, muita coisa, foi uma avalanche de sensações comuns ao meu passado, de memórias e de esperança. E um conforto imenso de saber que ali, em algum lugar do interior de qualquer lugar, onde para a cidade grande definitivamente ninguém importa e sequer tem um nome que valha dizer, estava o meu amigo. Alguém que, genuinamente, torce por mim, sempre, e quer o meu melhor. E sente muita saudade, e está comigo nos pensamentos mais divinos. Alguém cujo amor não tem limites.

Nublado

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Porque fica melhor nublado,
porque combina mais com cinza.
Quando esquenta demais, a gente fica assim como sufocado debaixo dos sovacos nos ônibus, ou se espremendo entre as paredes do trem.
Isso quando não é empurrado metrô adentro.
E aí sua, e a roupa gruda no corpo e andar na rua se torna tão mais difícil – a próxima esquina só surge depois de um quilômetro, três bancas de revista e vinte mendigos pedindo esmola.
E logo que sai do banho, parece que já fica sujo de novo. Cabelo limpo, então, para ficar mais de um dia, só de milagre.
Então os tons de toda parte são frios, mas não porque o resto seja frio. Não exatamente.
É que os sorrisos não brotam assim tão fácil – é preciso trabalhá-los.
O azul de cima aparece quase nunca, costuma estar encoberto seja pela nuvem baixa, seja pelo concreto alto
E as roupas, as pessoas – sabe como é – acabam refletindo as colorações de todo o resto.
Isto é, colorido de tanto não tem vez. Não dá, não cabe, não faz vista. Cor muita numa vez só, só se for fluorescente. Verde-limão, vermelho-demais, amarelo-de-sol.
Que aí tem a desculpa de fazer parte. E de ser imprescindível.
Acaba sendo, mesmo, mas o todo, ah, o todo é acinzentado.
E belo, grandioso.
Cabe na palma de uma mão, mesmo sendo do tamanho de um mundo inteiro.
Estampado de xadrez e de zebra.
Preto, branco, grafite, negro, branco, amarelo.
Tudo se revirando como em espiral
numa infinita mistura de todas essas várias cores do arco-íris.

Me leva pra lua?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Pintando borboletas na janela, e de costas para o mundo
A brisa, ao bater na nuca, espantava todo aquele calor
Com a perspectiva de uma presença, me volto para trás.
Sim, eu vi e sim, desci.
“Me leva pra lua?”. Empalideci.
Como se soubesse, logo eu, qual era o caminho
Como se já não tivesse tentado, três vezes um milhão, chegar na lua
Como se minha prioridade não fosse, justamente, estar na lua
E para distraí-la, como se não precisasse disfarçar e pintar borboletas na janela
E fingir que a felicidade estava na Terra
“Me leva pra lua?”, repetiu.
Suspirei. Que estrada tomar?
Quantas telas, ainda, deixaria inacabadas?
Quantas brisas de verão passariam até, enfim, aterrissar na lua?
Em segurança, na lua?
Fechei os olhos e senti, uma vez mais, o frescor do vento fraco.
Percebi meu corpo leve e um brando sorriso de consentimento.
Demos as mãos, e só então abri os olhos.
Embalados por uma suave canção, admiramos a viagem.
E juntos, e sem acreditar, chegamos os dois.
E nos entregamos à lua.