sobre a autora

Dos cuidados fundamentais que precedem o giro de uma maçaneta; Das conseqüências de abri-la por impulso

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

1. Tenha certeza, certezíssima, absoluta, irrevogável ad eternum de que você está preparado para ver o que está depois da porta. É, afinal, um caminho sem volta.
2. Olhe para trás. Parece um conselho bobo, mas se nem você sabe se está pronto para ver o que segue, imagina quem está passando desprevenido por trás?
3. Olhe, logo em seguida, somente para frente. Não se distraia, mantenha o foco. Se você vir uma imagem branca, grotesca, junta demais e ofegante logo abaixo, não olhe. Os riscos de sonhos e/ou pesadelos com aquilo durante a noite são horrendos.
4. Se você tomou todos os cuidados anteriores e, mesmo assim, não conseguiu vencer a odiosa curiosidade gatuna, não grite. Oprima-se, leve as mãos à boca, cale de qualquer forma. Você, por mais íntimo que seja dos seus próprios olhos, não é o dono das cenas que testemunha e não possui qualquer direito sobre elas.
5. Fotografe. Não, não estou falando de máquina, flash, obturador, nada parecido. Fotografe com o olhar. Mas só precisa se preocupar com isso se a cena for prazerosa, porque se não for, meu amigo, vai ficar gravada na sua memória de qualquer jeito.
6. Bata a porta de volta. Eu até poderia te dizer para fechar silenciosamente, sem se fazer notar. Mas não, você não tem a obrigatoriedade de ser sorrateiro quando suas vítimas não o foram. Faça o escarcéu que não conseguir conter.
7. Recomponha-se, beba um copo de uísque e haja de forma blasé a respeito de tudo que se passou. Acenda um cigarro e converse sobre o carnaval e o reflexo do teto na piscina.
8. Se conseguir fazer tudo isso, por favor, eu imploro, me faça um sinal de fumaça, me mande um e-mail, me visite, me telefone. Mas não deixe de me ensinar como.

Dia comum

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009


Mas quanta coisa a gente vive em um dia!
Acorda 7h30 da manhã de curtas férias com a moça procurando o cartão que ficou na sua bolsa
Volta a dormir e acorda meia hora depois com o moço dando o cheque e dizendo pra por nominal lá na 513 Sul
Aí a moça vem, bate na porta e diz "acorda, Renata, que sua mãe tá chegando"
Tem medo dos passos na escada porque sabe que vai ter que levantar
Ameniza a guerra com um beijo e um abraço
Come um pedaço do abacate por falta de outra coisa
E vai. E experimenta óculos, e cansa, e decide que é esse mesmo.
E a moça chega e te mostra um azul que te deixa a cara dela
E sente alívio e lembra de depositar o dinheiro da poupança pra Deus sabe quando
Pensa em ir pra NY no fim do ano e pergunta: tem jeito? E ouve: quem sabe?
E fala das pessoas que tem saudade e acaba esquecendo das que mais fazem falta
Nada que não possa ser remendado
Ouve da Flórida, do Eugênio Bucci, da matrícula, de formatura e da moça, que não conseguiu nada
E pensa: vai pra França, boba
E faz do orkut um msn
E vasculha, e tem ciúme, e lembra demais de quem nem se lembra tanto
E seca a franja e vai pro jornal
Chega bem humorada por que?
Três pautas, sem chance, algum mal-entendido
E sente tanta, tanta vontade de estar em outro lugar
De um computador para outro
De um telefone para outro
Sempre dando uma olhada para ver se a secretária deixa a mesa livre pra fazer aquele interurbano de graça
Não dá
Recebe mensagem da amiga que dá saudade depois de dois dias
Olha para a colega que está indo embora e sente um aperto forte no coração
Come pastel de queijo
Pastel de frango
E suco de caju
Escuta alfinetadas que poderiam simplesmente deixar de acontecer
Lembra de quem não quer lembrar e sente dúvidas, muitas dúvidas
Acaba o texto e esquece da foto
Se vira para a matéria ter como sair
E quando já não dá mais, vai embora
Com o rádio desligado da Hora do Brasil e do saco cheio de trance
Chega no curso, sozinha, e liga para moça perguntando se ela vem mesmo
Ufa, tá chegando
Descobre que a língua francesa é muito mais linda do que se lembrava
Recebe bronca e dá bronca, mas finge que nada aconteceu
Chega lá e vê um lugar que agrada muito, com música boa e pessoas legais
Vinho e chocolate quente
Pensa que jornalista só fala de jornal, mais uma vez
Idiotices, cigarros, telefonemas, nostalgia, depressão, alegria, gargalhada
Pombos
E pensa que tudo valeu a pena.
E sente uma vontade louca de eternizar o que viveu.
E tem em si todos os sonhos do mundo.

Mensagem à moda antiga

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Sabe aquelas cartas que fazem você questionar absolutamente tudo? Que te fazem refletir sobre tudo o que é e faz, e tudo o que deveria ser e não faz?
Hoje eu recebi uma dessas cartas.
O montinho de papel me trouxe para perto uma pessoa que, há tanto tempo, estava tão longe. Aquele tipo de gente que escolhe um caminho completamente diferente da esmagadora maioria e passa a ficar reservado num cantinho que você deixa bem de lado, simplesmente porque não dá pra ficar pensando o tempo todo. Não combina com a vida que você leva e sim, todo mundo está fadado a viver, sempre, aquilo que lhe é mais familiar e conveniente.
Mas a carta trouxe de volta a pessoa. O semblante, o jeito calmo de falar, o olhar tão cuidadoso com tudo o que se diz vivo na vida. Eu lia e escutava, pacientemente, aquela voz que há tanto tempo não escuto. E ele dizia coisas que ninguém me diz nesta vida que eu vou levando. E me trouxe tantas sensações diferentes...
Uma delas foi lembrar de quem eu sou de verdade, ou quem eu realmente deveria ser. Quem eu seria se não tivesse tomado um rumo tão definitivo na vida, ou se estivesse mais preparada para lidar com ele, se fosse mais madura.
A carta tinha a cadência e o tom de voz daquele meu amigo.
Eu desci normalmente, pronta para mais um dia como os outros, quando o porteiro me avisou que a carta havia chegado. Sim, ele estava de sobreaviso, afinal, tratava-se de uma resposta. Eu segurei o envelope com força e não abri até chegar em um lugar onde estivesse a salvo. Esse lugar foi o ônibus, que por sinal, estava lotado. Mas como tudo dá certo quando tem que ser assim, o rapaz na minha frente se levantou e desceu logo na próxima parada. Olhando para os dois lados meio descrente, eu sentei e voltei à embalagem. Abri com cerimônia porque eu sabia que aquela seria uma leitura importante, dessas que não se fazem todo dia e nem em um dia qualquer. E aquela letra tão destreinada, tão acostumada a fazer coisas tão diferentes tremia aos solavancos do ônibus. Mas nada daquilo, nem a fumaça, nem o barulho do motor e das pessoas atrapalhou, de forma alguma, aquele momento.
De reencontro.
Quando eu cheguei na assinatura dele, meus olhos se encheram de lágrimas. Sei lá se eram de felicidade, de emoção, de tristeza, de pena dele ou de mim. Mas o fato é que, mesmo sem saber o que, eu senti muito, muita coisa, foi uma avalanche de sensações comuns ao meu passado, de memórias e de esperança. E um conforto imenso de saber que ali, em algum lugar do interior de qualquer lugar, onde para a cidade grande definitivamente ninguém importa e sequer tem um nome que valha dizer, estava o meu amigo. Alguém que, genuinamente, torce por mim, sempre, e quer o meu melhor. E sente muita saudade, e está comigo nos pensamentos mais divinos. Alguém cujo amor não tem limites.

Nublado

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Porque fica melhor nublado,
porque combina mais com cinza.
Quando esquenta demais, a gente fica assim como sufocado debaixo dos sovacos nos ônibus, ou se espremendo entre as paredes do trem.
Isso quando não é empurrado metrô adentro.
E aí sua, e a roupa gruda no corpo e andar na rua se torna tão mais difícil – a próxima esquina só surge depois de um quilômetro, três bancas de revista e vinte mendigos pedindo esmola.
E logo que sai do banho, parece que já fica sujo de novo. Cabelo limpo, então, para ficar mais de um dia, só de milagre.
Então os tons de toda parte são frios, mas não porque o resto seja frio. Não exatamente.
É que os sorrisos não brotam assim tão fácil – é preciso trabalhá-los.
O azul de cima aparece quase nunca, costuma estar encoberto seja pela nuvem baixa, seja pelo concreto alto
E as roupas, as pessoas – sabe como é – acabam refletindo as colorações de todo o resto.
Isto é, colorido de tanto não tem vez. Não dá, não cabe, não faz vista. Cor muita numa vez só, só se for fluorescente. Verde-limão, vermelho-demais, amarelo-de-sol.
Que aí tem a desculpa de fazer parte. E de ser imprescindível.
Acaba sendo, mesmo, mas o todo, ah, o todo é acinzentado.
E belo, grandioso.
Cabe na palma de uma mão, mesmo sendo do tamanho de um mundo inteiro.
Estampado de xadrez e de zebra.
Preto, branco, grafite, negro, branco, amarelo.
Tudo se revirando como em espiral
numa infinita mistura de todas essas várias cores do arco-íris.

Me leva pra lua?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Pintando borboletas na janela, e de costas para o mundo
A brisa, ao bater na nuca, espantava todo aquele calor
Com a perspectiva de uma presença, me volto para trás.
Sim, eu vi e sim, desci.
“Me leva pra lua?”. Empalideci.
Como se soubesse, logo eu, qual era o caminho
Como se já não tivesse tentado, três vezes um milhão, chegar na lua
Como se minha prioridade não fosse, justamente, estar na lua
E para distraí-la, como se não precisasse disfarçar e pintar borboletas na janela
E fingir que a felicidade estava na Terra
“Me leva pra lua?”, repetiu.
Suspirei. Que estrada tomar?
Quantas telas, ainda, deixaria inacabadas?
Quantas brisas de verão passariam até, enfim, aterrissar na lua?
Em segurança, na lua?
Fechei os olhos e senti, uma vez mais, o frescor do vento fraco.
Percebi meu corpo leve e um brando sorriso de consentimento.
Demos as mãos, e só então abri os olhos.
Embalados por uma suave canção, admiramos a viagem.
E juntos, e sem acreditar, chegamos os dois.
E nos entregamos à lua.