sobre a autora

O meu passeio é no ar

domingo, 25 de julho de 2010

Naquela árvore, a terceira entre outras duas de tamanho igual, havia dois passarinhos fazendo um ninho no cair da noite. Não dava para ver direito, mas os galhos se mexiam com uma movimentação que não era a mesma de qualquer outra no mundo. Os gravetos iam e vinham, em ritmo marcado, com pausas e intervalos entre cada volta. As folhas dançavam de forma diferente naquele ponto específico da planta, então dava para perceber que não era o vento. Tinha algum bichinho ali coordenando o tear daquela casa, mas não dava para ver, entende?

Eu tive companhias especiais para o almoço. Pareceu até um encontro ensaiado: cada um dos personagens daquela mesa tinha seu papel. À esquerda, meu sangue; à direita, a mais genuína paz de espírito; à frente, o símbolo de uma resistência às adversidades e, ao seu lado, um pêndulo; mais à esquerda ficava a alegria da tarde. O sol também estava brilhando tanto e o céu, de um azul turquesa. Alguém teve a brilhante ideia de ir ao parque, e nos arrastamos pela grama verde. As vozes das pessoas e os gritos das crianças misturavam-se à calma de olhar para cima; o resultado era leveza. Aquela mesma que eu passei o sábado procurando, e sentindo falta, e sofrendo pela ausência. Peso que me fez sucumbir à queda de pressão durante o trabalho, e que me deitou na cama para não jogar no chão. Peso que aumenta o nosso próprio peso. E que não é divino, porque divina só é a paz.

Às vezes me engano, achando que o edredon vai me proteger de todos os perigos do mundo. Como uma pitada de açúcar, vai reduzir a acidez de um dia cheio. Só que, em outros momentos, um cobertor é mesmo tudo que a gente precisa para se acalmar. É como se fosse uma imersão em água quente de ofurô, com aroma de pétalas de rosa - eu juro que posso sentir este perfume agora, porém mais cítrico, que é como eu gosto. A metafísica da vida seguindo sua cadeia de idas e vindas, assim como os pássaros fazem, sem saber. Felizes deles, porque quanto mais a gente sabe, mais a gente duvida. E eu estou cansada de duvidar, agora aposto na fé com todas as minhas fichas. É assim que deve ser.

Brilha no céu, tsuru

domingo, 4 de julho de 2010



Você ainda tinha muita coisa para contar. E eu, um mundo para fazer você saber.
Às vezes, tenho vontade de mandar um e-mail. Outro dia, quase peguei o telefone para te ligar quando me perdi na rua. Porque você era a única pessoa que me atendia em qualquer ocasião. Na verdade, eu não consigo me lembrar de um só momento em que não tenha atendido o celular, conversado comigo, muitas vezes sem poder. Muitas vezes atolado de trabalho, como você sempre estava. Você nunca me deixava esperando.
Mas de repente, o que aconteceu foi uma espera sem tempo determinado para terminar. Digo espera porque realmente acredito que vá te ver de novo. É que você parece mais vivo do que nunca dentro de mim. Quando olho suas fotos e registros de conversas online que tínhamos, fico um pouco triste. Choro. Mas não parece que você se foi. Na verdade, esta é a parte mais enlouquecedora e difícil de acreditar. Sinto que, a qualquer momento, você vai tocar a campainha da minha casa. Ou vou te ver dobrando a esquina, de moto e capacete preto com adesivo da Apple. Ou que você, uma hora, vai chegar, mesmo que atrasado, naquele jantar que uma amiga marcou na casa dela. E vai vir me trazer um prato de sopa ou levar para o hospital quando eu ficar doente.
Aliás, Doug, preciso contar que algumas vezes não quis te chamar pra festas aqui em casa. Sempre lembrava de te convidar, mas houve ocasiões em que não fiz isso. Confesso que tinha pouca paciência - essa arte era sua, e não minha. Me arrependo. Posso ter te trocado por uma ou outra companhia que com certeza me fariam muito menos falta do que você faz hoje. Mas, quem sabe, isso me faça aprender a decifrar o verdadeiro valor das pessoas de uma vez por todas.
A sua morte me fez refletir muito sobre a minha vida. Acho que de uma forma que você sempre quis que eu fizesse, mas nunca conseguiu. É claro que você respeitava minha forma incansável e atropelada de viver a vida, aliás, tão diferente da sua. Falta meditação, né? Eu vou aprender a meditar. A qualidade das minhas reflexões deu um salto tão alto que quase me fez te agradecer por ser tão generoso comigo. Mas a isso, agradeço sozinha, em casa, quando penso em como sou uma das preferidas de Deus por conhecer, como só eu conheço, uma pessoa... me faltam adjetivos. Uma pessoa incomparável com qualquer outra, como é você.
Outro dia, fui num restaurante japonês. Comi um monte de sashimi de salmão, peixe branco e até de atum, que era o seu preferido. Fui também a um bistrô aqui perto, onde já fomos umas três vezes, você lembra? Não pedi ainda os mexilhões ao molho de coco, mas vou pedir de uma próxima, juro. Hoje, fui a uma peça de teatro que falava sobre morte por acidente de carro. Como tudo pode acabar com a luz de um farol alto na nossa frente. Consegui fazer tudo isso e alguns amigos me disseram que sou forte. Mas não consegui olhar direito quando te colocaram no lugar onde a gente não pode mais te ver. Eu joguei uma rosa branca e saí de perto. Doug, era quase pôr do sol, mas os raios lindos e claros que surgiam entre as árvores batiam exatamente em cima de você. Não sei se mais alguém viu isso, mas para mim foi muito, muito claro que você nos dizia que ia ficar tudo bem.
Eu ainda quero jogar paintball. Lembra quando nós fomos comprar aquela arma supercara naquele lugar tão estranho? Sei que, depois, saímos para jantar, e por isso acho que ainda estávamos namorando. Mas eu tenho dificuldade para lembrar se alguns episódios foram antes ou depois de já não estarmos mais juntos. Porque nunca houve mágoa ou qualquer tipo de resentimento. Você sempre disse que queria que fôssemos amigos independentemente de tudo. Sempre foi assim, sempre vai ser.
Eu assisti a Cerejeiras em Flor e também lembrei de você. Te mandei uma mensagem de celular uma vez perguntando se já tinha visto essas árvores floridas no Japão - minha mãe viu o filme e falou que era a coisa mais maravilhosa que existia. Você disse que sim, e eu lembro que fiquei feliz por você já ter feito tanta coisa. Você sempre fez tudo que quis, e deixou inúmeras vezes de fazer o que não quis. A sua fidelidade aos outros e a você mesmo era tão grande que nunca te deixou trair alguém ou a sua própria vontade.
Eu sei que você não quer me ver triste, e eu prometo que estou segurando a onda muito bem. Só não esperava que tivesse que ser assim... definitivo. Passei por momentos de negação absoluta, de desespero, houve ocasiões em que havia várias pessoas ao meu redor, mas tudo o que eu queria era uma coisa que não ia acontecer mais: conversar com você. Ainda é muito difícil para mim aceitar essa incapacidade de reverter as coisas. Meu sonho era que alguém me falasse que foi tudo uma brincadeirinha e logo você estará de volta. O fato é que ando triste, mas de cabeça erguida. Torço para a vida me fazer, um dia, entender tudo isso. Também torço muito por um sinal, para saber como você está de verdade. E te admiro pela assistência que tem dado à sua mãe nesse sentido - sei a conexão que vocês dois têm. Acredito que você vá falar comigo quando puder, e por este momento aguardo calmamente. Nesta arte do esperar, em que nunca fui mestra, mas que você continua me ensinando mesmo além da vida.
Eu ainda vou te dar o texto que você merece um dia, Doug. Nós dois sabemos que não é este. Poderia ser aquele que fiz durante o voo e acabei perdendo no avião, né? Mas acho difícil, de repente era para ter sido realmente apenas uma catarse. O tsuru vai ser tatuado e a viagem ao Japão vai acontecer o quanto antes eu puder. Obrigada por saber que estou dizendo a verdade, é essa fé inabalável que você sempre teve em mim.
Não sei, entretanto, se vou voltar a Campos do Jordão. Ou se vou conseguir entrar no seu quarto da próxima vez que visitar seus pais. Não sei se vamos fazer, novamente, um festival de temaki como aqueles daqui de casa e da casa da Gi. Ou se vou ao estádio do Morumbi assistir a um jogo do São Paulo. Por outro lado, te prometo várias coisas. O Luisinho vai ouvir as mais belas histórias sobre o tio com mais cara de samurai que ele poderia ter. Eu vou sempre te contar as minhas novidades nesse ouvido invisível que nós dois estabelecemos. Vou andar muito a pé de um lado para o outro no Japão, como você dizia que tinha que ser. Não vou ligar tanto para o dinheiro gasto. E nunca, nunca mais vou ter uma briga daquelas proporções com os meus pais, que te adoram, e são as pessoas mais importantes da minha vida.
Isto aqui é puro retrato de saudade, então me desculpe se soa um pouco banal. Não sei se há homenagem no mundo que possa chegar perto do que você merece. Mas podendo, Japonês, não esquece de me dar um alô e contar como andam as coisas - você conhece este meu coração inquieto. Agradeço muito por ter vindo para SP, te conhecido logo em seguida, ter sido sua namorada por um ano e sua grande amiga desde então. Tudo que me fez convergir a você é, na realidade, uma grande bênção. Mas você faz uma falta irreparável perto da gente. Fisicamente, né. Porque longe dos nossos corações você nunca vai estar.
Até logo, Japonezinho. Vê se se cuida, hein?