sobre a autora

Olhos de base

segunda-feira, 30 de março de 2009

Eu queria falar sobre uma pessoa que conheci esse fim de semana e que quase não me deixou dormir ontem à noite. É que zunia na minha cabeça e me fazia rolar de um lado para o outro, sabe quando a gente não encontra posição na cama? E aí nessas horas eu fico me achando meio obsessiva, um pensamento que chega e não vai embora nunca.
Mas é que eu sempre caio no erro que depois me faz chorar no ombro dos meus amigos: julgo as pessoas pelas primeiras aparências, como eu sou julgada sempre e erroneamente. Cometi esse ultraje de novo, e com ele. Da primeira vez, calça colada, camiseta com bordados de borboleta e maquiagem: base, muita base. A sobrancelha perfeitinha. O braço com relógio de cristais swaróvski e mil pulseiras cintilantes. "Você mora aonde?" - "Londres."
E nenhuma palavra o almoço inteiro, entre gargalhadas e tilintares de copos com os outros amigos. E aquele serzinho ali, bem na minha frente, me olhando profundamente o tempo todo com aquele sorriso de Mona Lisa, bem calado, até que ele passou mal e teve que ir embora.
Depois, fiquei sabendo da história dele. Algo do mais dramático que já ouvi, história que remexe a gente por dentro, faz sentir piedade, pensar em uma forma de confortar, desejar tudo de melhor. Sentimentos tão nobres, mas que desapareceram pouco depois de o encontrar pela segunda vez, num outfit todo branco. "Ai!" - "Desculpa", seco. - "Ai, é que minha calça é branca, vai manchar". Fechei a cara, que já não era das mais abertas naquela noite onde, logo mais, tudo se transformaria.
Ele não tirava os olhos de mim. Deixa eu explicar melhor, era como se implorasse. Se pedisse, com todo o respeito, para pelo amor de Deus, alguém o salvar dali. Alguém o tirar da miséria que tinha se tornado a sua vida, da solidão que ele cultivava dentro dele, da magreza que refletia tanto problema. Ele não precisaria se ajoelhar para pedir mais ajuda do que sentado ali, na minha frente. "Ai, essa bebida tá muito forte, em Londres o shot é 25mL, não 50". E birra pra cá, birra pra lá, e cara de triste, e olhos abertos focados em mim.
Ele estava de novo de estômago revirado, tinha comido até não mais caber. Bolinho frito, suco, cachacinha, pastelzinho. Tudo que não tem em Londres. E aqui tem família também, que não tem em Londres, e cedo descubro por que ele está com aquela carinha: é que amanhã é o grande dia, o dia que vai encontrar a mãe. "É que estou muito diferente", ele me diz. - "Mãe é mãe", eu digo pra ele, e ele me dá aquele sorriso mais melancólico, mais incrivelmente lúgubre que alguém pode dar.
Mas o melhor foi o abraço de despedida. Ele me apertou como se eu fosse uma santa, como se aquele fosse o último abraço que ele daria na vida. Me disse tanto aquele contato. Me disse "por favor, me ajuda", me disse "eu não sei mais o que fazer" e me disse "por favor, torce por mim". E eu, em casa e já na cama, depois de receber mil mensagens e ligações da minha mãezinha querida, me revirava de culpa, de agonia, de não ter feito mais por aquele menino tão carente de tudo, menos de dinheiro. Porque eu podia ter feito mais e o que me matou é que ele sabia disso. Mas era como se minhas mãos estivessem atadas e eu, paralisada por aquele olhar mais sincero que eu já vi na minha vida.
Rezei por ele, espero que Deus tenha dado força para o encontro que ele teria hoje.
Estou torcendo.

1 comentários:

Unknown disse...

Mania horrorosa que o ser humano tem de julgar os outros sem conhecer. A gente perde tantas oportunidades assim.... tantas.
Fica assim não, Deus o ajuda por vc =)
Bjus